sábado, 1 de agosto de 2009

Elisa Lucinda - falando de poesia...Ô mulher brilhante meu deus!

A poesia se embrenhou nos meus modos viventes. Não é mais só minha matéria-prima, é minha matéria-imã, minha matéria-irmã, minha matéria-mãe. Sua maternagem é fundamentar-se em mim. Escrevo desde os 17, mas poesia no palco é imagem de infância pra mim.

23 anos de Rio de Janeiro, no desenho eu vejo seu amadrinhamento de mim, o modo requintado e muito simples com que pousou como um pássaro na janela do meu olhar e me expôs às mais duras provas sob a sua guarda. Salas de aula, bares, teatros, recitais, livros feitos em casa, livros feitos à mão, primeiro em pequena escala, mas sempre dela é que veio meu pão. Contando assim pra mim mesma, nessa noite de inverno forte em Passo Fundo, vejo como andei e ando até hoje com a poesia como protagonista mesmo sendo ela tão figurante no cenário da realidade brasileira. Mesmo com todos os avanços da comunicação a gente ainda vê o maltrato dispensado a ela, pelos livreiros, leitores, editores, como se ela não pudesse ser sala de visita pra casa de ninguém. E o pior, ela é. Na profunda realidade do cotidiano, aquela óbvia que a gente nem percebe, a poesia está. Tocando nas canções de rádio, nos provérbios populares que habitam os diálogos, nas folhinhas do calendário penduradas nas paredes descascadas, no verso de cada dia das agendas das secretárias executivas, nos oráculos, nos livros de oração, nos bilhetes dos amantes, mas poucos a vêem como um filão. Pouca gente vê que é produto de primeira necessidade e nesse percurso me vejo levando-a pela mão e sendo levada por ela ao seu ouro, que é ao mesmo tempo o seu propósito: esclarecer, educar, desabafar pelo mundo, pensar com o mundo. A poesia é um ato de compaixão, uma declaração de amor de um homem pra outro. A humanidade respira no verso do outro, no verso do irmão. Tiro por mim: como divindades feitas de puro verbo, quantos Bilacs já salvaram meu peito? Quantas vezes já rezei Adélia, Pessoa, Quintana, Bandeira, Drummond? Quantas vezes não morri porque garrei na mão de Manoel de Barros? Dormi no colo de Cecília, não me perdi por pertencer ao rebanho de Caeiro e aprendi com a angústia como uma Clarisse. É bom ter poema pra cada ocasião, é mágico como um oráculo, a mesma poesia num outro dia ganha outro sentido, por isso nunca se acaba de ler um livro de poema, é leitura infinita.

Nunca separei poesia de teatro porque sempre vi a dramaturgia dela. São milhões de identidades e emoções cujos personagens somos nós poetas e toda a humanidade que representamos e a qual damos voz. Quando dei por mim, de tanto escolher a poesia percebi que ela tinha me escolhido também, é professora de minha atriz, responsável pelos meus convites para telenovelas, cinema, teatro, empresas, escolas, festa, palestras, aniversários, casamentos, convenções. É meu pistolão para todos os trabalhos, faz lobby pra mim e eu sou empresária dela. Dou aula de como dizê-la, assim coloquial, sem maneirismos, sem chatices, sem castigar os sentidos dos seus versos, daí há dez anos nasceu a minha escola de poesia que recebe o ano inteiro gente de toda profissão e idade, que quer falar poesia socialmente, ou profissionalmente. Agora, alunos já viraram professores e já somos uma equipe ensinando professores de escola pública o nosso jeito de transformar poesia em aula, agora estamos no Espírito Santo, minha terra natal.

Desde menina então, sob as ordens dessa deliciosa criatura venho cavalgando o mundo, como uma criança que carrega água na peneira e com a alegria da brincadeira vai regando a terra. De cada porta de teatro faço uma livraria, em cada auditório de empresa esta lá a minha banca, minha tenda de nobre camelô, mesmo que não se veja a banca ali, mesmo quando fisicamente ela não pode estar, está feito o serviço pela poesia, está vendido o livro, para que a palavra ande é preciso pregar a palavra, a isso a poesia nos convoca.
Outro dia eu vi um vizinho de filme dizendo assim pra mulher “Você pensa o quê? Eu trabalho, minha vida não é poesia não”. E eu pensei falando sozinha com a tela da TV, durante a sessão da tarde, pois a minha é.

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