segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Charge - Mauricio Ricardo

Charge - Mauricio Ricardo

Carlos Drummond Andrade

Hoje não escrevo

Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.

O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego - às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.

Ah, você participa com palavras? Sua escrita - por hipótese - transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.

Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incômodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhe os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.

E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado de espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples par de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva. Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isso entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...

Então hoje não tem crônica.

Vinicius de Morais

SONETO DA FIDELIDADE


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Cronicas - Carlos Drummond Andrade

VIAGEM A PARIS

- Ouvi dizer que vai a Paris.
- Exato.
- A negócio?
- Não.
- Turista?
- Não.
- Missão política reservada?
- Não.
- Tão secreta assim?
- Não.
- Se não sou indiscreto...transa de amor?
- Não.
- Está muito misterioso.
- Não.
- Como não? Saúde, talvez.
- Não.
- Compreendo que não queira alarmar...
- Não.
- Busca apenas repouso.
- Não
- Fugir do trabalho, então.
- Não.
- Capricho do momento.
- Não.
- Tantos não devem significar um sim.
- Não.
- Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
- Não.
- Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
- Não.
- De qualquer maneira, é financiamento internacional.
- Não.
- Então a coisa está ficando preta.
- Não.
- Está preta, e há jogadas que só em Paris.
- Não.
- Percebe-se alguma coisa no ar.
- Não.
- Não dá para perceber, mas há.
- Não.
- Mas pode haver a qualquer momento.
- Não.
- Nem hipótese?
- Não.
- Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
- Não.
- No ano que vem?
- Não.
- Ouvi mal?
- Não.
- Sendo assim, é segredo pessoal?
- Não.
- O coração é quem dita a viagem... eu sei.
- Não.
- Sim, sim. Pode confessar.
- Não.
- Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
- Não.
- Sei que não precisa disso, mas...
- Não.
- Por que não? Está com medo da imprensa?
- Não.
- Receia perder a situação social?
- Não.
- A situação financeira?
- Não.
- Política?
- Não
- Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
- Não.
- Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
- Não.
- Discretamente.
- Não.
- De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
- Não.
- Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
- Não.
- Só cinco linhas.
- Não.
- Duas.
- Não.
- Mas tenho de dizer alguma coisa.
- Não.
- O senhor é notícia.
- Não.
- Pode dizer que não, mas é sim.
- Não.
- Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
- Não.
- Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
- Vou.
- E que é que vai fazer em Paris?
- Ver.
- Ver o quê?
- O Último Tango em Paris.
- E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
- Você não me perguntou, por que eu havia de responder?

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Atividade - Lingua Portuguesa

1- Qual a diferença entre gênero textual e tipologia textual?
R: Genero textual é todo tipo de texto que circula em nosso dia-a-dia. Ex: uma receita ou uma charge são gêneros textuais.
Já a tipologia é a forma como o texto vai ser trabalhada. Ex: uma materia de um jornal normalmente é descritivo argumentativo.

2- Destaque 3 figuras de linguagem importante para a compreensão de um texto poetico. Explique-os.
R:
-Paradoxo: duas coisas que se contradizem ao mesmo tempo. Ex: o transito esta parado.
- personificação: dar vida a coisas ou seres irracionais. Ex: "O Sol amanheceu triste e escondido."
- Ironia: afirmar o contrario do que realmente se pensa. Ex: "As moças entrebeijam-se porque não podem comer-se umas às outras". (Monteiro Lobato)

3-Palavra chave: Classismo, Quinhentismo, Barroco.
R:
- Claridade, Romantismo, Imagens tridimencionais, leveza.
- Descrição, textos de faceis asceço.
- Paradoxo, Obscuridade, Tristeza.

sábado, 22 de agosto de 2009

Ricardo Reis - heteronimo Fernando Pessoa

Bocas Roxas




Bocas roxas de vinho,

Testas brancas sob rosas,

Nus, brancos antebraços

Deixados sobre a mesa;





Tal seja, Lídia, o quadro

Em que fiquemos, mudos,

Eternamente inscritos

Na consciência dos deuses.





Antes isto que a vida

Como os homens a vivem

Cheia da negra poeira

Que erguem das estradas.





Só os deuses socorrem

Com seu exemplo aqueles

Que nada mais pretendem

Que ir no rio das coisas.


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Carlos Drummond Andrade - Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond Andrade - As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

O bêbado e o equilibrista - Elis Regina

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Asas!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...

Carta do Ausente - Vinicius de Morais

Meus amigos, se durante meu recesso virem por acaso
passar a minha amada peçam silêncio geral.
Depois apontem para o infinito.
Ela deve ir como uma sonâmbula,

envolta numa aura de tristeza,
pois seus olhos só verão a minha ausência.
Ela deve estar cega de tudo o que seja o meu amor

(esse indizível amor que vive trancado em mim num cárcere mirando empós seu rastro).
Se for a tarde, comprem e desfolhem rosas à sua melancólica passagem,

e se puderem entoem cantus-primus.
Que cesse totalmente o tráfego e silencie as buzinas

de modo que se ouça longamente o ruído de seus passos.
Ah, meus amigos, ponham as mãos em prece e roguem,

não importa a que ser ou divindade por que bem haja a
minha grande amada durante o meu recesso,
pois sua vida é minha vida, sua morte a minha morte.
Sendo possível soltem pombas brancas em quantidade suficiente

para que se faça em torno a suave penumbra que lhe apraz.
Se houver por perto um hi-fi, coloquem o "Noturno em sí bemol" de Chopin.
E se porventura ela se puser a chorar,

oh recolham-lhe as lágrimas em pequenos frascos de opalina
a me serem mandados regularmente pela mala diplomática.
Meus amigos, meus irmãos (e todos os que amam a minha poesia),

se por acaso virem passar a minha amada salmodiem versos meus.
Ela estará sobre uma nuvem envolta numa aura de tristeza

o coração em luz transverberado.
Ela é aquela que eu não pensava mais possível,

nascida do meu desespero de não encontrá-la.
Ela é aquela por quem caminham as minhas pernas e para quem foram feitos os meus braços,

ela é aquela que eu amo no meu tempo e que amarei na minha eternidade -
a amada una e impretérita.
Por isso procedam com discrição mas eficiência:

que ela não sinta o seu caminho, e que este, ademais ofereça a maior segurança.
Seria sem dúvida de grande acerto não se locomovesse ela de todo,

de maneira a evitar os perigos inerentes às leis da gravidade e do momentum dos corpos,
e principalmente aquele devidos à falibilidade dos reflexos humanos.
Sim, seria extremamente preferível se mantivesse ela reclusa em andar térreo e intramuros num ambiente azul de paz e música.
Oh, que ela evite sobretudo dirigir à noite e estar sujeita aos imprevistos da loucura dos tempos.
Que ela se proteja, a minha amada contra os males terríveis desta ausência com música e equanil.
Que ela pense, agora e sempre em mim,

que longe dela ando vagando pelos jardins noturnos da paixão e da melancolia.
Que ela se defenda, a minha amiga, contra tudo que anda, voa, corre e nada;

e que se lembre que devemos nos encontrar, e para tanto é preciso que estejamos íntegros,
e acontece que os perigos são máximos,
e o amor de repente de tão grande tornou tudo frágil,
extremamente, extremamente frágil.

sábado, 1 de agosto de 2009

Elisa Lucinda - falando de poesia...Ô mulher brilhante meu deus!

A poesia se embrenhou nos meus modos viventes. Não é mais só minha matéria-prima, é minha matéria-imã, minha matéria-irmã, minha matéria-mãe. Sua maternagem é fundamentar-se em mim. Escrevo desde os 17, mas poesia no palco é imagem de infância pra mim.

23 anos de Rio de Janeiro, no desenho eu vejo seu amadrinhamento de mim, o modo requintado e muito simples com que pousou como um pássaro na janela do meu olhar e me expôs às mais duras provas sob a sua guarda. Salas de aula, bares, teatros, recitais, livros feitos em casa, livros feitos à mão, primeiro em pequena escala, mas sempre dela é que veio meu pão. Contando assim pra mim mesma, nessa noite de inverno forte em Passo Fundo, vejo como andei e ando até hoje com a poesia como protagonista mesmo sendo ela tão figurante no cenário da realidade brasileira. Mesmo com todos os avanços da comunicação a gente ainda vê o maltrato dispensado a ela, pelos livreiros, leitores, editores, como se ela não pudesse ser sala de visita pra casa de ninguém. E o pior, ela é. Na profunda realidade do cotidiano, aquela óbvia que a gente nem percebe, a poesia está. Tocando nas canções de rádio, nos provérbios populares que habitam os diálogos, nas folhinhas do calendário penduradas nas paredes descascadas, no verso de cada dia das agendas das secretárias executivas, nos oráculos, nos livros de oração, nos bilhetes dos amantes, mas poucos a vêem como um filão. Pouca gente vê que é produto de primeira necessidade e nesse percurso me vejo levando-a pela mão e sendo levada por ela ao seu ouro, que é ao mesmo tempo o seu propósito: esclarecer, educar, desabafar pelo mundo, pensar com o mundo. A poesia é um ato de compaixão, uma declaração de amor de um homem pra outro. A humanidade respira no verso do outro, no verso do irmão. Tiro por mim: como divindades feitas de puro verbo, quantos Bilacs já salvaram meu peito? Quantas vezes já rezei Adélia, Pessoa, Quintana, Bandeira, Drummond? Quantas vezes não morri porque garrei na mão de Manoel de Barros? Dormi no colo de Cecília, não me perdi por pertencer ao rebanho de Caeiro e aprendi com a angústia como uma Clarisse. É bom ter poema pra cada ocasião, é mágico como um oráculo, a mesma poesia num outro dia ganha outro sentido, por isso nunca se acaba de ler um livro de poema, é leitura infinita.

Nunca separei poesia de teatro porque sempre vi a dramaturgia dela. São milhões de identidades e emoções cujos personagens somos nós poetas e toda a humanidade que representamos e a qual damos voz. Quando dei por mim, de tanto escolher a poesia percebi que ela tinha me escolhido também, é professora de minha atriz, responsável pelos meus convites para telenovelas, cinema, teatro, empresas, escolas, festa, palestras, aniversários, casamentos, convenções. É meu pistolão para todos os trabalhos, faz lobby pra mim e eu sou empresária dela. Dou aula de como dizê-la, assim coloquial, sem maneirismos, sem chatices, sem castigar os sentidos dos seus versos, daí há dez anos nasceu a minha escola de poesia que recebe o ano inteiro gente de toda profissão e idade, que quer falar poesia socialmente, ou profissionalmente. Agora, alunos já viraram professores e já somos uma equipe ensinando professores de escola pública o nosso jeito de transformar poesia em aula, agora estamos no Espírito Santo, minha terra natal.

Desde menina então, sob as ordens dessa deliciosa criatura venho cavalgando o mundo, como uma criança que carrega água na peneira e com a alegria da brincadeira vai regando a terra. De cada porta de teatro faço uma livraria, em cada auditório de empresa esta lá a minha banca, minha tenda de nobre camelô, mesmo que não se veja a banca ali, mesmo quando fisicamente ela não pode estar, está feito o serviço pela poesia, está vendido o livro, para que a palavra ande é preciso pregar a palavra, a isso a poesia nos convoca.
Outro dia eu vi um vizinho de filme dizendo assim pra mulher “Você pensa o quê? Eu trabalho, minha vida não é poesia não”. E eu pensei falando sozinha com a tela da TV, durante a sessão da tarde, pois a minha é.