Meus amigos, se durante meu recesso virem por acaso
passar a minha amada peçam silêncio geral.
Depois apontem para o infinito.
Ela deve ir como uma sonâmbula,
envolta numa aura de tristeza,
pois seus olhos só verão a minha ausência.
Ela deve estar cega de tudo o que seja o meu amor
(esse indizível amor que vive trancado em mim num cárcere mirando empós seu rastro).
Se for a tarde, comprem e desfolhem rosas à sua melancólica passagem,
e se puderem entoem cantus-primus.
Que cesse totalmente o tráfego e silencie as buzinas
de modo que se ouça longamente o ruído de seus passos.
Ah, meus amigos, ponham as mãos em prece e roguem,
não importa a que ser ou divindade por que bem haja a
minha grande amada durante o meu recesso,
pois sua vida é minha vida, sua morte a minha morte.
Sendo possível soltem pombas brancas em quantidade suficiente
para que se faça em torno a suave penumbra que lhe apraz.
Se houver por perto um hi-fi, coloquem o "Noturno em sí bemol" de Chopin.
E se porventura ela se puser a chorar,
oh recolham-lhe as lágrimas em pequenos frascos de opalina
a me serem mandados regularmente pela mala diplomática.
Meus amigos, meus irmãos (e todos os que amam a minha poesia),
se por acaso virem passar a minha amada salmodiem versos meus.
Ela estará sobre uma nuvem envolta numa aura de tristeza
o coração em luz transverberado.
Ela é aquela que eu não pensava mais possível,
nascida do meu desespero de não encontrá-la.
Ela é aquela por quem caminham as minhas pernas e para quem foram feitos os meus braços,
ela é aquela que eu amo no meu tempo e que amarei na minha eternidade -
a amada una e impretérita.
Por isso procedam com discrição mas eficiência:
que ela não sinta o seu caminho, e que este, ademais ofereça a maior segurança.
Seria sem dúvida de grande acerto não se locomovesse ela de todo,
de maneira a evitar os perigos inerentes às leis da gravidade e do momentum dos corpos,
e principalmente aquele devidos à falibilidade dos reflexos humanos.
Sim, seria extremamente preferível se mantivesse ela reclusa em andar térreo e intramuros num ambiente azul de paz e música.
Oh, que ela evite sobretudo dirigir à noite e estar sujeita aos imprevistos da loucura dos tempos.
Que ela se proteja, a minha amada contra os males terríveis desta ausência com música e equanil.
Que ela pense, agora e sempre em mim,
que longe dela ando vagando pelos jardins noturnos da paixão e da melancolia.
Que ela se defenda, a minha amiga, contra tudo que anda, voa, corre e nada;
e que se lembre que devemos nos encontrar, e para tanto é preciso que estejamos íntegros,
e acontece que os perigos são máximos,
e o amor de repente de tão grande tornou tudo frágil,
extremamente, extremamente frágil.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
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